Classicismo


A história da criação estética no Ocidente desenrolou-se, em grande parte, com a alternância de períodos "clássicos", em que predominou a busca de harmonia e proporção, e de fases caracterizadas por tendências mais livres, como o barroco e o romantismo, em que se valorizou sobretudo a expressão da subjetividade e da fantasia do artista.
O termo classicismo, a rigor, refere-se a um movimento cultural baseado nos modelos da  antiguidade clássica e que impôs em diferentes momentos históricos: Renascimento, século XVII e, em sua versão conhecida como neoclassicismo, entre o final do século XVIII e começo do XIX. Como traços peculiares a essa atitude estética devem ser apontados a importância conferida aos mestres gregos e romanos, o sentido das proporções, a harmonia entre as partes e o todo, a busca do equilíbrio e o desejo de imitar a natureza (mimese). Essa imitação, no entanto, não pretendia apenas a cópia, mas a seleção dos princípios básicos da realidade e sua representação racional. O classicismo, portanto, buscava antes de tudo refletir a ordem do mundo e seus componentes essenciais.
Sob tal perspectiva pode-se dizer, em sentido amplo, que o classicismo constitui uma determinada atitude artística que tem reaparecido continuamente nos mais diversos momentos da história. A decomposição da natureza em suas formas geométricas, postulada pelo neo-impressionista francês Cézanne e levada ao extremo pelos cubistas, ou a arquitetura racionalista do século XX, partilham muitos dos princípios classicistas. Na realidade, os grandes mestres do classicismo nunca se limitaram a imitar modelos do passado: absorveram seu espírito, para adaptá-lo a seu próprio tempo.
Antiguidade clássica. O período clássico por excelência da arte grega foi o século V a.C., quando, principalmente em Atenas, estabeleceram-se os princípios fundamentais do classicismo. Nas artes plásticas, partia-se das proporções ideais do corpo humano para chegar à proporção total no universo. Essa concepção relacionava-se às idéias dos pitagóricos, para os quais a harmonia se fundava nos  números.
Na arquitetura, a linguagem clássica difundiu-se com maior intensidade graças ao êxito das duas grandes ordens: a dórica, sóbria e rigorosa, e a jônica, de maior plasticidade. A Acrópole de Atenas, com seu estudado equilíbrio de ambas, constituiu a síntese do espírito grego. Uma mesma preocupação estética marcou os escultores Fídias, Miron e Policleto. Este último, com seu "Doríforo", fixou as proporções ideais do corpo humano.
Embora os poemas de Homero já apresentassem concepções clássicas, foram os filósofos Platão e Aristóteles e os trágicos Sófocles, Ésquilo e Eurípides que estabeleceram as normas e princípios literários fundamentais que reapareceriam ao longo da história nas diversas versões do classicismo. Este encontrou em Platão um caminho para a idealização da realidade, enquanto que Aristóteles, em sua Poética, estabeleceu os princípios da mimese ou imitação da natureza.
O mundo romano, mais pragmático, viu-se atraído pela estética grega, e acentuou seus traços naturalistas (bustos, estátuas-retrato e relevos históricos). Vitrúvio, em De architectura, consagrou o emprego das ordens clássicas. No campo da literatura, o poeta Horácio, no século I a.C. reuniu em sua Ars poetica os ensinamentos de Aristóteles - coerência, ordem, harmonia --, sustentou que a literatura deveria "ensinar e deleitar" e defendeu a necessidade de combinar o talento com o empenho reflexivo: "De que serviria o trabalho sem uma grande inspiração, ou o trabalho sem empenho? Um precisa do outro, e ambos conspiram juntos, amistosamente." A Eneida, de seu contemporâneo Virgílio, representa a expressão poética máxima dessa filosofia.
Na Europa medieval, os ideais clássicos nunca chegaram a desaparecer, graças às ordens monásticas,  aos bizantinos e aos muçulmanos, que souberam compilar e difundir as grandes obras da antiguidade. Essa tradição também foi resgatada no Renascimento, por meio do humanismo.
Renascimento. O movimento renascentista, iniciado no século XV, na Itália, recuperou os ideais clássicos e conciliou-os com a tradição cristã. O homem voltou a ser o centro do mundo, ao contrário da visão teocêntrica propagada na Idade Média. Desenvolveu-se o individualismo e o espírito crítico, surgiram múltiplas iniciativas e experiências que deram grande impulso ao panorama cultural. Estudaram-se, na arte, os modelos clássicos, graças em boa parte à recuperação do tratado de Vitrúvio, que tinha espírito científico, e buscou-se uma beleza perfeita, baseada na harmonia, na razão e na perspectiva, idéias que encontraram seu primeiro grande expoente em Leonardo da Vinci. Transformou-se nos principais centros do classicismo a Florença do século XV, com os arquitetos Filippo Brunelleschi e Leone Battista Alberti e o escultor Donatello, assim como Roma no século XVI, com Michelangelo, o arquiteto Donato Bramante e o pintor Rafael.
O alto classicismo do século XVI teve seus mais rigorosos representantes em Bramante, que realizou o tempietto de São Pedro, em Roma, com a planta centralizada e a enorme cúpula de estilo sóbrio e austero, e em Rafael, que pintou composições equilibradas e harmoniosas, com personagens delicadas e de grande beleza ("Retrato de Baltazar Castiglione"). Em Veneza, Andrea Palladio construiu diversas mansões campestres e criou o "motivo palladiano", um vão semicircular entre dois vãos adintelados.
O Renascimento literário italiano teve como seu grande precursor Petrarca, que difundiu os modelos clássicos e renovou a métrica de sua língua.  Em seguida foram estudadas as teorias literárias de Horácio, resgatadas por eruditos como Gian Giorgio Trissino e Julius Caesar Scaliger, que em suas Poetice (1561; Poéticas) estabeleceu a regra das três unidades (tempo, lugar e ação), conforme o modelo aristotélico.
Partindo da Itália, essa corrente classicista estendeu-se por toda Europa, chegando até à corte  francesa de Francisco I (Fontainebleau), à corte espanhola de Carlos V (I da Espanha) e Felipe II (o Escorial), e à corte portuguesa de D. João III, em que viveu Camões, um dos mais altos poetas do Renascimento. Depois dos grandes mestres, porém, seus seguidores caíram freqüentemente no academicismo e na imitação, realizando obras "à maneira" (maneirismo) dos grandes mestres. Esse espírito anticlássico maneirista transformou-se numa corrente barroca que, na Itália, tomou dois caminhos opostos: o naturalismo de Caravaggio e o classicismo dos irmãos Carracci, artistas ecléticos que se basearam nos grandes mestres do século XVI para decorar a galeria do palácio Farnese, e conferiram grande importância à natureza e ao desenho.
Classicismo francês. Quando a estética barroca prevalecia na Europa, renasceu na França um classicismo peculiar, cujo momento de esplendor de 1654 a 1715, ocorreu no reinado de Luís XIV. O pintor Charles Le Brun e o escritor Nicolas Boileau, autor de L'art poetique (1674), obra bastante influente, impuseram oficialmente esse estilo.
No princípio do século XVII esse classicismo demonstrava tranqüilidade. Exemplo disso foram as telas de Nicolas Poussin, que trabalhou sobretudo em Roma e recriou o mundo da antiguidade em telas como "Paisagem com Diógenes", que elevaram ao máximo a representação intelectual da natureza. No reinado de Luís XIV, o desejo de glorificar a realeza - próprio do absolutismo monárquico - deu lugar a um estilo majestoso e imponente. Seu paradigma arquitetônico foi o palácio de Versalhes, reformado e aumentado sucessivamente por arquitetos como Louis Le Vau e Jules Hardouin-Mansart.
Na literatura, imitaram-se os temas e gêneros da antiguidade, com suas regras estritas, enquanto a filosofia racionalista, com Descartes, apresentou uma visão "geométrica" do universo. Ressurgiu a dualidade horaciana da finalidade da arte: ensinar, como nas obras de Racine, e distrair, como no teatro de Molière. La Fontaine, com suas fábulas, tentou combinar os ensinamentos morais com a diversão.
Na arquitetura inglesa, que sempre realizou uma síntese própria das tendências européias, durante os séculos XVII e XVIII se desenvolveu um classicismo peculiar, baseado no veneziano Palladio. Destacou-se também Inigo Jones, autor da "Casa da rainha", em Greenwich. O palladianismo desembocou no classicismo de Sir Christopher Wren, cuja catedral de São Paulo, em Londres, foi construída com uma grandiosa cúpula semelhante à da basílica de São Pedro, de Roma. Foram esses artistas os precursores do neoclassicismo inglês de Robert Adam e Lord Burlington.
Neoclassicismo. Na segunda metade do século XVIII e nas primeiras décadas do XIX, voltou-se a valorizar em toda Europa o ideal clássico da clareza e harmonia como reação contra os excessos do rococó. A França mais uma vez seria a origem desse retorno aos modelos da antiguidade, que se distinguiu dos anteriores por um maior conhecimento do mundo greco-romano. Isso deveu-se sobretudo às escavações arqueológicas de Pompéia e Herculano, às pesquisas do historiador alemão Johann Winckelmann sobre a arte grega e aos desenhos de ruínas dos italianos Giovanni Paolo Panini e Giambattista Piranesi.
Na França, por volta de 1760, o arquiteto Jacques Germain Soufflot recorreu aos elementos clássicos para construir a monumental igreja de Sainte-Geneviève de Paris, mais tarde o Panteão. Esse neoclassicismo arquitetônico, severo, de volumes simples e clássicos, estendeu-se por toda Europa: na Rússia, o "estilo Catarina II" teve como grande expoente o Palácio de Inverno de São Petersburgo; na Espanha, sobressaíram Ventura Rodríguez e Juan de Villanueva; e, na Alemanha, K. G. Langhans ergueu a monumental Porta de Brandemburgo, em Berlim.
A escultura foi uma das mais notáveis manifestações do neoclassicismo, graças ao italiano Antonio Canova e ao dinamarquês Bertel Thorwaldsen, que preferiram a brancura do mármore à policromia, pois acreditaram, erroneamente, que toda escultura clássica era branca. A serenidade e o equilíbrio desses grandes artistas foram uma fiel recriação dos modelos gregos do século V a.C.
Na pintura, o grande mestre foi o francês Jacques-Louis David, que se inspirou na antiguidade para suas representações pictóricas teatrais, de grande austeridade e harmonia, cujos ensinamentos morais eram inspirados na ética dos heróis clássicos, como "O juramento dos Horácios". Com Napoleão Bonaparte, David converteu-se em pintor oficial dos fastos do império, para propaganda e exaltação do imperador ("Coroação de Napoleão I em Notre-Dame"). O final dessa corrente pictórica contou com outro francês, Ingres, defensor da primazia do desenho.
A literatura do século XVIII, como ocorrera no Renascimento, fez do ser humano a medida de todas as coisas. Apareceu a figura do "ilustrado", racionalista e empírico, erudito e crítico, voltado para a natureza e para o homem, preocupado com o saber, que tinha uma grande relação com a figura do humanista da Renascença. Os ideais românticos, porém, com sua ênfase em uma maior imaginação e na noção do "gênio" em oposição ao mero intelecto, subverteram, já no final do século, as concepções neoclássicas. Dessa forma, o alemão Johann Wolfgang Goethe, admirador do mundo grego e expoente máximo do "classicismo de Weimar", conseguiu, em suas obras, conciliar a razão com o sentimento.
Também a música conheceu um período classicista, iniciado no final do século XVIII, após a morte de Johann Sebastian Bach, e que se estendeu aproximadamente até 1830, quando foi substituído pelo romantismo. Viena tornou-se a capital musical da Europa. Buscava-se uma linguagem harmônica distante das formas polifônicas barrocas, na qual predominasse o equilíbrio, a serenidade e a alegria. Sua expressão mais freqüente foram a sonata e a sinfonia. O apogeu desse movimento viu-se marcado pela supremacia da escola alemã, com Haydn e Mozart.
Ao longo dos séculos XIX e XX, os sucessivos movimentos artísticos levaram a uma ruptura com a noção "acadêmica" de criação, que implicava a sujeição a determinados preceitos. Isso não significou, no entanto, o desaparecimento dos ideais greco-romanos, que sobreviveram até hoje em todos os artistas que dão ênfase à harmonia formal, ao equilíbrio e à captação intelectual do mundo.
©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

Imagens
As proporções ideiais do corpo humano, segundo cânones
clássicos, foram estabelecidas no "Doríforo" de Policleto!





Orfeu e Eurídice, de Nicolas Poussin, pintor classicista francês do período barroco.
As sabinas de Jacques-Louis David, expoente do neoclassicismo na pintura, em reação ao rococó.
O Real Sitio de la Granja de Santo lidefonso, perto de Ségovia, Espanha, segue o modelo arquitetonico do neoclassicismo francês do século XVII!
A inspiração do poeta, de Nicolas Poussin, pintor que sintetizou adminiravelmente o classicismo e o barroco.

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